Com seu rosto
enorme e redondo, com sua silhueta de balão.
Olhares sorridentes se descobriam e se levantavam de uma
manhã fria e úmida em meio a toda aquela pele já desanimada e seca, triste por
não encontrar mais músculos que a preenchessem como haveria de ser.
Vinha de um futuro
que já havia ficado pra trás em algum lugar entre as rugas de seu já não tão
novo bigode chinês.
Não mostrava os
dentes, mas sua alegria fazia bolinhos gordinhos e açucarados que espremiam os
olhos de doçura.
Já era devagar, com
a paciência que o passar do tempo presenteia em proveito de cada momento que,
com certeza, não mais virá. E sua vagareza desconectava-nos de todo o mar. De
todo o martírio de esperar.
Nas mãos, uma
singela sanfoninha feita de um papel colorido, em cores fortes e contrastantes,
que davam aquele gostinho que completa a leveza de um creme de natas. Tudo
muito gorducho, muito felpudo, muito macio e quente.
Um calor que
respirava leve, mas com a profundidade de um mantra. Algo que acolhia, que
conduzia, que amparava, que nos embalava a um sonho bom, a uma paz cansada, a
uma alegria de chegar.
Um toque de ocre e
encarnado numa manhã cinza de tons pastéis. Um agasalhado toque morno que
descia as escadas rumo à fonte, que já a essa hora ainda permanecia fria, gelada,
molhada, úmida e ríspida como haveria de ser. Sempre transparente e reveladora
em seu reflexo imparcial, reto e de uma beleza cruel.
Veio e se sentou à
beira da fonte, sempre em seu ritmo alegre e lento.
E seus bolinhos
doces apertaram mais os olhos, alegrando-nos talvez por compaixão.
Puxou sua
sanfoninha para junto de si, em meio a suas gorduchinhas mãos, e por um momento
chegou a flertar meus olhos, que encabulados deixaram fugir um suspiro desses
de clara de ovos.
O suficiente para
despertar no marido o calor que arde desde as primeiras perdas.
Num impulso,
arrancou-lhe a sanfoninha, o coração, o seu respirar.
Tomou-lhe a voz e a
rasgou ao meio, como que mordendo o seio de sua mãe para que não lhe roubassem
o leite.
O velho, ainda com
seus olhinhos espremidos por seus gordinhos doces e alegres, puxou inocente de
dentro de suas cobertas uma segunda sanfoninha, bem mais simples que a
primeira, mas de cores ainda bem fortes, alegres e quentes.
Menorzinha, cabia
em suas gorduchinhas mãos.
Só serviu para
aumentar o ardor do marido, que agora rubro, arrancou-lhe o bico com os dentes,
como se só deles viesse o leite.
Rasgou o tanto que
pôde a pequena sanfoninha de papel.
Rasgou, e rasgou e
rasgou.
Enquanto meu peito
se apertava frio, e sufocava mudo, vendo a alegria daqueles olhinhos brilhantes
secar em lágrimas, e aqueles gordinhos doces derreterem em choro.