Por Edson Vidigal*
Lá estavam eles, como sempre, em suas máquinas de sonhos, unidos por teias sedosas de vontades e delícias. Vivendo o sonho comum, em meio ao sono de cada um.
Era assim que se podia ver aquele país distante, naquele pedaço de mim onde podíamos estar só com os outros, vivendo um eterno final.
Sonho que um dia alguém sonhou, que se torna real a cada um a cada noite.
Amando os que nos amavam, tudo era tudo e todos os inícios eram o melhor retorno.
Um sonho comum onde vontades se realizavam na forma de uma noite perfeita.
Onde a chuva lavava e relvas sopravam o canto do lindo esquecimento.
Um sonho todo azul ao som de suave flauta, terno toque que nos molhava o corpo e o gosto em algum lugar naquela imensidão cremosa.
Cada suspiro se encantava em beijo. Cada sorriso se desmanchava em flores. Tudo era um tênue limiar além da razão e do sentir. Um sonho bom.
Mas ela queria mais.
Queria seu próprio sonho. Algo que sonhara um dia, antes dos finais felizes, antes dos entardeceres em close contra a luz.
Ela queria a sua versão. A sua própria estória de amores desencontrados, de paixões desperdiçadas. De pesadelos, de faltas, de busca.
E fez daquela noite um dia ensolarado e quente. Tornou Sufocante e seco aquele úmido que encharcava os olhos. Fugiu de todo o sonhar. De toda a gente. Deixou de existir nos jardins de todos os que ousaram com ela amar.
Desistiu daquela cama macia, daquela seda gelada, daquelas plumas aladas de anjos bons. Sentiu sua própria carne, sua própria face, sua própria fome.
Levantou-se e se viu nua. Sozinha e entregue ao seu próprio azar. Apoiou os pés no chão e deu um passo. Depois outro. E aprendeu a andar em seu mundo só.
Já longe da cama, não dormia mais.
Apenas seguia seu coração partido em busca de uma falta qualquer.
Algo qualquer que valesse a pena faltar.
Algo qualquer onde encontrasse sua dor.
Algo qualquer.
E acabou por se perder em dobras e mais dobras de um imenso lençol que, longe da cama, cobria o nada. E quanto mais cavava, mais se enterrava sufocada em si mesma, nas tramas que as moiras lhe teceram um dia.
...Tempos depois, numa bela noite, ele cansou de sonhar.
Aquela foto iluminada em matizes douradas, aquele ponto de fuga de perspectiva perfeita, nada casava com a imagem que queria dela. Aquela criatura tão livre, tão solta, tão carente de novos espaços e novas cores.
Foi então que percebeu sua falta.
Acordou naquele sonho onde tudo era brando, tudo era morno. Onde tudo agradava ao toque e cada sorriso era a mais perfeita criação.
Queria vê-la. Desmamar-se de seu copo cheio, desamparar-se de sua cama limpa, perder-se em suas perdas.
Matou-se de seu sonho lindo, violentou-se de sua esperança. Morreu-se de sua beleza.Em um só fôlego, atirou-se de vez naquele negro mar.
E afogou-se inteiro em suas negras correntes, que o libertariam para todo o sempre naquele imperfeito amor.
#juntossomosmuitos.
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nestas eleições pelo PTC, número 36222. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do Tribunal Superior Eleitoral por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
Siga Edson Vidigal no Twitter!
Twitter: @Edson_Vidigal
www.edsonvidigal.com.br
Facebook: edson.vidigal.36
canal do youtube:https://www.youtube.com/channel/UCCGmNJga6Xhj9PCn1_tDrug
e-mail: contato@edsonvidigal.com.br
currículo: http://lattes.cnpq.br/7417413719215392
Blogs: edsontravassosvidigal.blogspot.com.br
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
sábado, 31 de janeiro de 2015
NUNCA TE ESQUEÇO
Era uma noite linda. Tranquila. As janelas abertas e um tempo gostoso, que dava pra dormir de camiseta e calção sem sentir calor ou frio. Dessas que a gente facilmente se entrega e se deixa levar pelo aconchego de nossos sonhos de criança.
Não lembro em que momento foi que aquela fada linda, azul da cor da lua, delicada, frágil e tímida, entrou por minha janela e, sem dizer uma palavra, deitou-se ao meu lado e se encolheu em mim.
No fundo de meu coração ouvi sua carne me pedindo pra que eu ficasse quietinho ao lado dela. Que fôssemos um ao outro apenas um abrigo seguro naquela noite linda em meio aos dias de decepções e medos.
Foi tudo o que ela me pediu calada em troca daquele momento único de sua entrega completa à minha alma nua.
Até hoje sonho com aquele momento fugaz que me beijou por inteiro, e com o infinito vazio que ficou para me lembrar pelo resto de minha existência que nunca devemos trair nossos próprios corações.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
FALTA DO QUE DIZER
E
já agora, com uma chuvinha fina na janela, um céu que não se vê o céu, uma paz
fria, seca por dentro e molhada por fora, carros passando sobre as águas das ruas
fazendo ondas ao lado do rio e um ou outro rosnado de um ônibus (auto-bus por
aqui...), chego a me sentir em casa no meu quartinho apertado e frio.
Dores
nas costas, frio nos pés, um cheiro esquisito que hoje em dia sai de todos os
colchões e travesseiros que compramos…
Dizem
que o cheiro é do produto anti-ácaro, anti-fungo, anti-alérgico, e pelo jeito
anti-sono. Não se pode dormir com isso. Afinal, serve pra quê?
Quando
se está sozinho é preciso tomar cuidado com a disciplina. Pois longe dos olhos e
das reclamações dos outros podemos fazer o que quiser. Ou deixar de fazer o que
quiser. E isso, no fim das contas, acaba nos levando a descobrir que o que não
faz mal pros outros faz mal a nós mesmos.
A
chuva fina me impele a continuar deitado. Fazendo nada. Divagando entre as
letras enquanto a bateria do computador não acaba.Os tons de amarelo velho
permeiam as paredes, as cortinas, a luz que vem do abajur, e até o diálogo lá
longe vindo de alguma televisão. E no meu pequeno quartinho, tudo está a mão,
inclusive esse cheiro horrível e incómodo anti-ácaro.
Às
vezes o prédio, já velho, se estica, se contorce, dá uma alongada nos ossos. Uma
estalada aqui, um gemido lá. Gememos talvez para lembrar aos outros (ou a nós
mesmos) que ainda estamos vivos. Seja isso pro bem ou pro mal.
O
fato é que na falta do que escrever, vamos soltando as palavras na espera de
que algo aconteça. Na espera de que aquele amontoado de letras acabe por fazer
algum sentido a alguém, por mais que não faça nenhum a nós. Quem sabe?
O
que trazemos ao mundo não mais nos pertence. Somos senhores apenas de nossas
ilusões.
Já
parou pra tentar escrever imediatamente tudo o que lhe vem a cabeça?
Tente esse exercício! Vai se arrepender…
Como
me arrependo agora.
Sua
esposa a lhe olhar os sapatos.
Seu
espírito a lhe sugar o chão.
Coisas
que acontecem.
Momentos
que se esvaem em completa morte de tudo o que segue. Um pós-modernismo subjacente
às estruturas humanas, onde instantes plenos rompem todo o encadeamento da
estória.
Mas
não se podia evitar que tais singularidades ocorressem, assim como não se podia
evitar que a continuidade crescesse, sedimentasse trocas e fluídos.
A
oportunidade é a mãe da necessidade. E o necessário não é preciso, como sei que
me confirmaria o Vaz.
Nessa
vida tudo é troca, tudo é fluído. Um cansativo repetir de singularidades que se
sobrepõe aleatoriamente em fotos e mais fotos na linha da vida de uma rede
social.
Como
aquela no facebook, onde um olhar e uma palavra lhe diziam muito mais do que queria
ouvir.
MEMÓRIAS DE UMA COXINHA DE GALINHA
Por Edson Vidigal
Então um louco doce se vestiu de salgado e logo se viu perseguido por uma cerveja. Tomou-lhe a boca da garrafa e, de um só gole, deixou a pobre terrivelmente apaixonada por seu gostinho inesperado.
Então um louco doce se vestiu de salgado e logo se viu perseguido por uma cerveja. Tomou-lhe a boca da garrafa e, de um só gole, deixou a pobre terrivelmente apaixonada por seu gostinho inesperado.
Não
fazendo mesmo nenhum esforço pra se controlar, a loura (não mais gelada, mas sim
embaçada e suada) fermentou, borbulhou e explodiu em espuma, toda derramada em
cima daquele pano branco amarrotado, puído pelo tempo, já manchado de outros
temperos e molhos.
O
pobre pano, desavisado, seguia incólume a sua triste sina. Escondia em vão (ou
realçava) aquelas pernas finas (já tão roçadas por tantas outras), que diariamente
eram fecundadas de idéias, de amores, de paixões, de desilusões e de infinitas outras
estórias.
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
O VELHO E O MARIDO
Com seu rosto
enorme e redondo, com sua silhueta de balão.
Olhares sorridentes se descobriam e se levantavam de uma manhã fria e úmida em meio a toda aquela pele já desanimada e seca, triste por não encontrar mais músculos que a preenchessem como haveria de ser.
Olhares sorridentes se descobriam e se levantavam de uma manhã fria e úmida em meio a toda aquela pele já desanimada e seca, triste por não encontrar mais músculos que a preenchessem como haveria de ser.
Vinha de um futuro
que já havia ficado pra trás em algum lugar entre as rugas de seu já não tão
novo bigode chinês.
Não mostrava os
dentes, mas sua alegria fazia bolinhos gordinhos e açucarados que espremiam os
olhos de doçura.
Já era devagar, com
a paciência que o passar do tempo presenteia em proveito de cada momento que,
com certeza, não mais virá. E sua vagareza desconectava-nos de todo o mar. De
todo o martírio de esperar.
Nas mãos, uma
singela sanfoninha feita de um papel colorido, em cores fortes e contrastantes,
que davam aquele gostinho que completa a leveza de um creme de natas. Tudo
muito gorducho, muito felpudo, muito macio e quente.
Um calor que
respirava leve, mas com a profundidade de um mantra. Algo que acolhia, que
conduzia, que amparava, que nos embalava a um sonho bom, a uma paz cansada, a
uma alegria de chegar.
Um toque de ocre e
encarnado numa manhã cinza de tons pastéis. Um agasalhado toque morno que
descia as escadas rumo à fonte, que já a essa hora ainda permanecia fria, gelada,
molhada, úmida e ríspida como haveria de ser. Sempre transparente e reveladora
em seu reflexo imparcial, reto e de uma beleza cruel.
Veio e se sentou à
beira da fonte, sempre em seu ritmo alegre e lento.
E seus bolinhos
doces apertaram mais os olhos, alegrando-nos talvez por compaixão.
Puxou sua
sanfoninha para junto de si, em meio a suas gorduchinhas mãos, e por um momento
chegou a flertar meus olhos, que encabulados deixaram fugir um suspiro desses
de clara de ovos.
O suficiente para
despertar no marido o calor que arde desde as primeiras perdas.
Num impulso,
arrancou-lhe a sanfoninha, o coração, o seu respirar.
Tomou-lhe a voz e a
rasgou ao meio, como que mordendo o seio de sua mãe para que não lhe roubassem
o leite.
O velho, ainda com
seus olhinhos espremidos por seus gordinhos doces e alegres, puxou inocente de
dentro de suas cobertas uma segunda sanfoninha, bem mais simples que a
primeira, mas de cores ainda bem fortes, alegres e quentes.
Menorzinha, cabia
em suas gorduchinhas mãos.
Só serviu para
aumentar o ardor do marido, que agora rubro, arrancou-lhe o bico com os dentes,
como se só deles viesse o leite.
Rasgou o tanto que
pôde a pequena sanfoninha de papel.
Rasgou, e rasgou e
rasgou.
Enquanto meu peito se apertava frio, e sufocava mudo, vendo a alegria daqueles olhinhos brilhantes secar em lágrimas, e aqueles gordinhos doces derreterem em choro.
Enquanto meu peito se apertava frio, e sufocava mudo, vendo a alegria daqueles olhinhos brilhantes secar em lágrimas, e aqueles gordinhos doces derreterem em choro.
SARDINHAS
Por Edson Vidigal
Resolvi me encolher aqui na pensão à tardinha. Botei as ceroulas, cobri-me na cama e aqui estou apodrecendo a alma com um pedaço de pão e uma garrafa de água.
Resolvi me encolher aqui na pensão à tardinha. Botei as ceroulas, cobri-me na cama e aqui estou apodrecendo a alma com um pedaço de pão e uma garrafa de água.
Almocei três ou
quatro sardinhas ensanguentadas que até agora me sobem à boca em alguns soluços
num desagradável ruminar.
Sei que terei fome,
mas não quero ter que me vestir de gente ou encarar o frio para comer. Prefiro
morrer de fome quente.
Só eu e minhas
sardinhas, que insistem em não serem digeridas.
Também eu não
gostaria de ser digerido, se parar pra pensar. Talvez sim metaforicamente, mas
nunca literalmente.
Como diria o Assis:
aos vencedores, as sardinhas.
E cá estou eu com elas.
E cá estou eu com elas.
Assinar:
Postagens (Atom)