quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

FALTA DO QUE DIZER

Por Edson Vidigal

Depois de algum tempo, acostuma-se a tudo.

E já agora, com uma chuvinha fina na janela, um céu que não se vê o céu, uma paz fria, seca por dentro e molhada por fora, carros passando sobre as águas das ruas fazendo ondas ao lado do rio e um ou outro rosnado de um ônibus (auto-bus por aqui...), chego a me sentir em casa no meu quartinho apertado e frio.

Dores nas costas, frio nos pés, um cheiro esquisito que hoje em dia sai de todos os colchões e travesseiros que compramos

Dizem que o cheiro é do produto anti-ácaro, anti-fungo, anti-alérgico, e pelo jeito anti-sono. Não se pode dormir com isso. Afinal, serve pra quê?

Quando se está sozinho é preciso tomar cuidado com a disciplina. Pois longe dos olhos e das reclamações dos outros podemos fazer o que quiser. Ou deixar de fazer o que quiser. E isso, no fim das contas, acaba nos levando a descobrir que o que não faz mal pros outros faz mal a nós mesmos.

A chuva fina me impele a continuar deitado. Fazendo nada. Divagando entre as letras enquanto a bateria do computador não acaba.Os tons de amarelo velho permeiam as paredes, as cortinas, a luz que vem do abajur, e até o diálogo lá longe vindo de alguma televisão. E no meu pequeno quartinho, tudo está a mão, inclusive esse cheiro horrível e incómodo anti-ácaro.

Às vezes o prédio, já velho, se estica, se contorce, dá uma alongada nos ossos. Uma estalada aqui, um gemido lá. Gememos talvez para lembrar aos outros (ou a nós mesmos) que ainda estamos vivos. Seja isso pro bem ou pro mal.

O fato é que na falta do que escrever, vamos soltando as palavras na espera de que algo aconteça. Na espera de que aquele amontoado de letras acabe por fazer algum sentido a alguém, por mais que não faça nenhum a nós. Quem sabe?

O que trazemos ao mundo não mais nos pertence. Somos senhores apenas de nossas ilusões.

Já parou pra tentar escrever imediatamente tudo o que lhe vem a cabeça?

Tente esse exercício! Vai se arrepender

Como me arrependo agora.

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